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São Paulo contra o Crime

abril 22, 2011


A boa notícia foi a redução da criminalidade do Estado de São Paulo no primeiro trimestre do ano: 9,9 homicídios por 100 mil habitantes. Só para comparar, a média brasileira é de 26 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto que a taxa de homicídios do RJ é de 28 homicídios por 100 mil habitantes; o estado que ostenta mais crime é Alagoas (60,3). O avanço de SP é impressionante nos últimos doze anos. Em 1999, a taxa de crime de SP era 35,3 por 100 mil habitantes, equivalente ao do RJ naquela época. Ou seja, em pouco mais de dez anos, o crime caiu mais de 70% no Estado!

O interessante é como muita gente interpreta a queda desse número. Alguns dizem que o principal responsável pela redução do crime seria o crescimento econômico vivenciado pelo Estado nesse período. Para outros estudiosos, o principal seria o desarmamento da população, ocorrido em meados desta década.

O problema com essas explicações é que elas não se sustentam. Outros estados que tiveram crescimento econômico e desarmamento mostraram um aumento de sua criminalidade. Aparentemente, o determinante da redução do crime reside em outro fator.

Como atestam estudos econométricos em várias partes do mundo, repressão policial e leis mais duras têm impacto efetivo sobre a criminalidade. Mas captar esse efeito causal é preciso contornar um problema comum em estudos econométricos, o problema da causação reversa. Regiões que costumam ter mais crime clamam por segurança e acabam tendo mais policiais. Se não tomar certos cuidados metodológicos, pode-se considerar que mais polícia leva a mais crimes! Na verdade, controlando-se para essa fonte de endogeneidade (como os economistas classificam uma situação desse tipo), mais repressão policial leva a menor criminalidade.

Esse tipo de problema tende a ocorrer em campos da ciência em que não é possível fazer experimentos controlados. A Economia trabalha com dados observados e não-experimentais. Crime é um caso interessante de endogeneidade entre crime e número de policiais. São Paulo confiou nessa relação teórica em que num modelo de crime, mais repressão policial conduz a menos crime. O Estado investe todo ano 18 bilhões de reais em segurança pública. O Estado de São Paulo prende mais bandidos no país: tem mais de 50% da população carcerária do Brasil. Não tem nenhum líder do PCC, a organização criminosa mais famosa do Estado, fora de presídio.

O ponto que defendo é de que, além da quantidade de polícia, houve considerável melhoria da eficácia da atuação da polícia. Isso começou com o georeferenciamento dos BOs registrados nas delegacias dentro do programa Infocrim. Os vários tipos de delitos são georeferenciados e mapeados. A partir daí, analisando manchas de crime nos mapas, é possível fazer um melhor planejamento do combate ao crime, bem como a distribuição da força da polícia entre os distritos de uma cidade. Concordo com a opinião de que o aumento dos efetivos policiais e aumento da detenção de bandidos são fatores relevantes para explicar o decréscimo do crime em SP. Minha hipótese é de que, além desses fatores, a eficácia da atividade policial foi talvez o maior fator explicativo dessa redução.

Apesar de ser uma ótima notícia, é bom ter consciência que, mesmo para o Estado de São Paulo, ainda tem um longo caminho a trilhar para chegar próximo de países mais desenvolvidos. Só para se ter ideia, a taxa de homicídios dos EUA é de 6 por 100 mil habitantes, ao passo que o crime no Japão (é bom, caro leitor, sentar antes de ler isso) são míseros 0,4 homicídios por 100 mil habitantes!

Trilha Sonora do Post

“Janie´s got a gun” do Aerosmith:

Abra a Boca, Galvão!

abril 20, 2011


Na última copa foi feita um campanha contra o narrador da Globo, que caiu nas redes sociais: Cala a boca, Galvão! Saiu até livro tendo como título essa frase, coligindo as pérolas do Galvão ao longo da sua extensa carreira. Em toda as copas do mundo, é isso: levanta-se um onda contra o narrador da Globo.

Vou contra a onda e fazer a defesa do narrador aqui. Em primeiro lugar, não nego que o Galvão fala coisas sem sentido. Isso é por causa do estilo 3 em 1 dele, não encontrado em parte alguma no mundo da narração esportiva: ele narra, comenta e faz reportagem num mesmo jogo de futebol. Aí, meu caro, não dá para não deixar escapar bobagem. Então, “por que ele fala tanto? Por que só não narra?”, indagará você, meu leitor cri-cri. Esse é o estilo do cara! Por que, então, o telespectador incomodado não muda de canal e vê o jogo pela Band? “Ah, o “craque” Neto não dá pra encarar!” Pois, é…

Outra qualidade impressionante do Galvão é o seu reflexo de narração. Nunca houve narrador, em nenhuma parte do mundo, com o reflexo de narração dele. Isso eu percebi na narração do acidente fatal do Airton Senna, em Ímola, 1994. Não assisti a narração ao vivo. Tinha voltado para casa quando me avisaram que o Senna tinha batido feio. Liguei automaticamente a TV. Não demorou para passar o trecho do acidente com a narração de Galvão. Eu sabia que o Airton bateria na longa reta curva (como uma vez, o Nelson Piquet brilhantemente denominou aquela parte do autódromo). Vi o Senna entrando na reta curva, sabia onde seria o acidente, mas meu cérebro processou o acidente apenas quando Galvão narrou instantaneamente o acidente: “Airton Senna bate forte!” Foi duplamente impressionante o acidente e o reflexo da narração do Galvão. E isso ao narrar o acidente que vitimaria o seu amigo corredor!

Talvez a entrevista mais reveladora e esclarecedora dada por Galvão Bueno na sua vida foi para um grande jornal francês durante a copa de 1998, na França. O jornal viu os índices de audiência da Globo nos jogos do Brasil contra os dos concorrentes (Band, SBT e Manchete). Era algo como sessenta e poucos pontos de IBOPE para a Globo contra 7 ou 8 pontos da Band, a segunda colocada.

Como havia concorrência, a qualidade da imagem era a mesma para todas as emissoras, o jornal sentiu que a diferença estava na equipe esportiva. Naturalmente, o narrador é o líder dessa equipe. Lá foram eles pedir entrevista para o Galvão.

A pergunta mais interessante era mais ou menos a seguinte: qual é o segredo de seu sucesso? A resposta do Galvão foi a coisa mais fantástica que poderia haver. Ele começou dizendo que, apesar dele ser formado em educação física, no começo da carreira, lá pelos idos dos anos setenta, ele ganhava a vida, não dando aulas, mas vendendo… vendendo enciclopédias! Ele disse que era um ótimo vendedor de enciclopédia! Ele chegava e tentava convencer os pais do investimento nos filhos que era adquirir uma enciclopédia. Pegava o filho e perguntava o que ele queria ser. “Médico!”, dizia o guri.

O homem abria nos verbetes sobre o esqueleto humano, explicando cada osso e cada órgão da gravura. “Advogado!” , confessava outro valente guri. Galvão abria as páginas sobre o direito romano, explicando a origem da profissão e assim por diante. Vendia enciclopédia como água! Sustentava muito bem a família com o dinheiro que tirava dessas vendas.

Depois desse longa introdução, Galvão falava: “voltando para a sua pergunta, o meu sucesso agora é que eu continuo sendo um vendedor. Só que agora sou um vendedor de emoções!” Por isso, não existe jogo chocho (ou oxo) com Galvão. O cara faz uma narração procurando vender emoções. Evidentemente, ele às vezes tem que as criar! Por isso, também ele fala, fala, fala! O cara é um vendedor!

Por último, gosto dele porque senti o que é assistir a uma copa sem Galvão Bueno. Em 2002, estava estudando nos EUA e assisti à Copa do Japão e da Coréia pela TV americana. O que é aquilo, meu Deus? Nunca vi transmissões sem vibração, sem emoção. Ficava lá assistindo e imaginando como estava sendo a narração do Galvão no Brasil. Dava o meu reino pela narração do Galvão! Só passando por essa experiência é que eu sempre digo: abra a boca, Galvão!

No vídeo abaixo, um momento memorável para todos nós, brasileiros: o tetra da seleção, depois de 24 anos de fila, na narração emocionada de Galvão Bueno! “É teeetraaaa!!! É teeetraaa!!”

Trilha Sonora do Post

“Everybody’s changing” de Keane:

Hipótese sobre o futebol

abril 4, 2011

futebol

Tenho uma hipótese formulada já faz muito tempo: o futebol é um jogo que tem uma dinâmica quase caótica em que a tática e as jogadas ensaiadas têm pouco lugar. Por isso, a importância dos técnicos e a elevação deles a verdadeiras celebridades é um exagero (assim como seus altos salários). Talvez a principal contribuição de um técnico num time é motivacional (o que os americanos chamam de “intangibles” dentro de um jogo, aquilo que não pode ser apalpado).  Felipão é um cara que trabalha muito bem os “intangibles”. Os jogadores formam uma espécie de família, muito motivados e que jogam para o técnico.

Outros esportes são muito mais complexos taticamente que o nosso futebol. O basquete e o futebol americano são talvez os mais evidentes nesta superioridade. Mas como tudo em ciência, a minha hipótese é apenas isso: uma conjectura que precisa ser provada (ou rejeitada) com os dados disponíveis. Arranjar dados no esporte, especialmente no futebol, não é uma coisa tão fácil assim. Um jeito intuitivo de mostrar alguma evidência em favor dessa hipótese é mais simples. Começa por constatar que se um esporte envolve uma complexidade tática faria com o time evitasse trocar de técnico durante um campeonato, pois essa troca poderia ser desastrosa para a trajetória do time.

Quanto mais complexo taticamente for o esporte, deve-se esperar resultados ruins após a troca do técnico no meio do campeonato. Isso porque o novo técnico não teria tempo suficiente para preparar os novos esquemas táticos e as novas jogadas ensaiadas com os jogadores. Esse fato fornece um modo de se avaliar a superioridade tática dos esportes, montando uma hierarquia. Quanto menos trocas de técnicos durante o campeonato, mais complexo taticamente é o esporte. No campeonato NFL de futebol americano é muito raro um time trocar de técnico durante o desenrolar do campeonato. E quando há troca, substitui-se o técnico por algum dos seus assistentes técnicos para que haja alguma continuidade. Os dados de trocas de técnicos existem, mas demandam tempo para serem juntados. Mas daria uma pesquisa legal.

Trilha Sonora do Post

Que coisa linda uma partida de futebol! Na voz de Skank:

Paradoxo do Chocolate Belga

abril 3, 2011

Numa feira de alimentação de Bruxelas, que apresentava uma grande quantidade de iguarias, uma loja vendia chocolates belgas, ao preço de 9 euros a caixa. Vendeu bem. No dia seguinte, a loja pôs o preço a 15 euros a caixa. As vendas dobraram. No terceiro dia, o preço caiu para 2 euros. A vendas praticamente desapareceram.

Ué, revogaram a lei da demanda no Congresso e não me avisaram?!

Evidentemente que não. O que acontece é que em situações em que a qualidade do produto é difícil de ser observada, antes da compra, os compradores usam sinais para identificá-la. Nesse caso, usam o preço como  sinalizador da qualidade. Isso ocorre com vários tipos de produtos por causa da assimetria de informações: o consumidor, um dos lados do mercado, conhece muito pouco  sobre as características do produto.

Evidentemente, a qualidade pode ser observada durante o consumo do bem. Se se compra uma garrafa de vinho, pensando que o preço elevadíssimo representa uma qualidade elevadíssima, e o vinho não passa de um vinagre, o comprador deixa de comprar no futuro. Mas enquanto isso não ocorre, a lei da demanda vai para o vinagre.

Trilha Sonora do Post

“Chocolate” de Tim Maia: