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O “Monopólio” do UFC no MMA e a Lei Muhammad Ali

agosto 20, 2019

Ali e McGregor

O Ultimate Fighting Championship (UFC) é praticamente sinônimo das artes marciais mistas (mixed martial arts, MMA, na sigla em inglês). Trata-se do maior evento desse esporte relativamente recente, surgido em 1993.

Muita gente identifica uma espécie de monopólio do UFC no MMA. Rigorosamente, o UFC não é monopólio, pois existem outras organizações de MMA no mundo, como o americano Bellator, o asiático ONE, o russo ACA, o árabe Brave, para ficar apenas com as mais relevantes. Porém, é notória a diferença em termos de importância e tamanho entre esses outros eventos e o UFC, ostentando este a maior participação de mercado de MMA no mundo.

E por que o UFC ficou com o tamanho e o market share que possui atualmente? Após a aquisição do UFC em 2000 pelos irmãos Fertitta, tendo Dana White como CEO, a nova direção promoveu uma concentração do esporte com a compra dos seus principais concorrentes, como Pride (em 2007), WEC (em 2010) e Strikeforce (em 2011). Ao adquirir esses eventos, o UFC assumia automaticamente os contratos com os lutadores dessas organizações.

Os donos do UFC tentavam vender a ideia de que esta concentração de mercado seria benéfica, pois se todos os principais lutadores do mundo estivessem sob o contrato de uma mesma empresa promotora, o UFC poderia fazer as lutas que os fãs quisessem. Isso só funciona porque existe uma barreira à saída no sentido de que os lutadores do UFC somente podem lutar dentro desta organização, que é dona dos cinturões.

Assim, a verdadeira fonte do poder de mercado do UFC é o fato de ele ser promotor e sancionador dos cinturões ao mesmo tempo, conseguindo definir quem luta contra quem pelo título.

No boxe, essas funções são separadas. Por exemplo, Bob Arum, dono da Top Rank, é o maior promotor do boxe atualmente, mas ele não tem o poder de sancionar nenhum título. Para isso, existem entidades sancionadoras (sanctioning bodies) de cinturões e elaboradoras de rankings independentes, sendo que as principais são o Conselho Mundial de Boxe (CMB), a Associação Mundial de Boxe (AMB), a Organização Mundial de Boxe (OMB) e a Federação Internacional de Boxe (FIB).

Essa separação talvez seja a principal consequência prática da Muhammad Ali Boxing Reform Act, uma lei antitruste federal dos EUA, sancionada em 2000 com a finalidade de proteger os interesses dos lutadores e o seu bem-estar, bem como estimular a concorrência no âmbito das promoções de luta, combatendo a exploração dos boxeadores.

No boxe, os promotores concorrem para poder promover as principais lutas. A consequência são bolsas milionárias para os principais boxeadores. Por exemplo, na chamada Luta do Século, em 2015, o boxeador americano Floyd Mayweather ganhou aproximadamente 180 milhões de dólares, enquanto o seu adversário, o filipino Manny Pacquiao recebeu algo como 96 milhões de dólares.

No boxe, aproximadamente 80% das receitas de uma luta são distribuídos aos lutadores. É a velha “mão invisível” do mercado de que nos falava Adam Smith, o pai do liberalismo econômico. Neste contexto pugilístico, poderíamos dizer que seria uma espécie de “luva invisível” do mercado…

Só para se ter uma ideia da diferença entre os dois principais esportes de lutas, apenas 20% de toda a receita bruta do UFC vão para os lutadores. De setembro de 2011 a agosto 2017 o UFC pagou 626 milhões de dólares na forma de bolsas para os seus lutadores. Se o UFC tivesse que pagar 50% da receita bruta, os lutadores receberiam 1,565 bilhão de dólares no período mencionado.

A extensão da Lei Ali para o MMA promoveria uma verdadeira reviravolta neste esporte. Sob a égide da Lei Ali, por exemplo, um lutador promovido pelo UFC disputaria com um lutador promovido pelo Bellator um cinturão chancelado por uma entidade sancionadora (digamos, uma eventual Associação Mundial de MMA), que também organizaria um ranking independente dos promotores. Note que agora o dono do cinturão seria a entidade sancionadora e não mais o UFC nem o Bellator, tornando essas organizações meras promotoras, como ocorre no boxe, tirando delas grande parte de seu poder de mercado.

Para perceber melhor a revolução que seria provocada pela extensão da Lei Ali ao MMA, vamos supor que o campeão de uma divisão de peso seja um lutador promovido pelo UFC e, no ranking da Associação Mundial de MMA, o primeiro colocado seja um lutador promovido pelo Bellator. Como no boxe, o campeão detentor do cinturão seria obrigado a defendê-lo contra o primeiro do ranking.

Suponha agora que o UFC e o Bellator não conseguissem entrar em acordo para a promoção conjunta desta luta. O que aconteceria neste caso? A entidade dona do cinturão abriria um leilão para todos os promotores de MMA (ONE, Brave, ACA etc) pudessem participar para darem lances para organizar a luta. Se o UFC recusasse que o seu lutador fizesse a defesa do cinturão sem a sua promoção direta, ele deixaria de ser o campeão da Associação Mundial de MMA. Com a lei Ali, cabe relembrar que o dono do cinturão é a entidade sancionadora e não a organização promotora (UFC).

Mas nem tudo são flores com a Lei Ali, existindo alguns problemas. Primeiro, as lutas mais esperadas pelo público costumam demorar muito para acontecer, uma vez que depende de acerto dos promotores de cada lutador. E esta negociação costuma ser muito difícil, envolvendo uma série de detalhes e condições. Por exemplo, a luta deste século entre Mayweather e Pacquiao demorou cinco anos para acontecer.

Segundo, apesar das grandes estrelas do boxe ganharem um container de dinheiro para subir no ringue, os outros lutadores menos estrelados continuam não ganhando muito, fazendo com a desigualdade entre as bolsas dos boxeadores aumente consideravelmente. Apesar dessas ressalvas, ninguém discorda que a Lei Ali foi um avanço para o boxe.

Por fim, vale celebrar a enorme importância do grande Muhammad Ali, the greatest of all time, tanto dentro dos ringues quanto fora deles. Foi por iniciativa e empenho dele e de um senador americano que essa fundamental lei para regular o mundo das lutas de boxe e beneficiar os boxeadores conseguiu passar no congresso americano.

Agora só falta a Lei Ali pisar no octógono mais famoso do mundo.

Trilha Sonora do Post

“We will rock you” do Queen: